Subscribe:
Mostrando postagens com marcador criminal. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador criminal. Mostrar todas as postagens

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Acidente de trânsito: culpa ou dolo eventual?

Incontáveis "acidentes" de trânsito ocorridos nos últimos tempos estão sendo enquadrados como dolo eventual. Nessa categoria entraram: o caso do carro Porsche em São Paulo, o caso da nutricionista que atropelou um rapaz na Vila Madalena (SP), o caso do ex-deputado paranaense que matou duas pessoas em Curitiba etc. Nenhum desses casos ainda foi julgado pelo Tribunal do Júri, a quem compete (finalmente) dizer se efetivamente houve ou não dolo eventual.
O motorista que conduz seu veículo em alta velocidade, só por isso já está atuando de forma dolosa? Quem dirige embriagado, só por isso já deve ser enquadrado no dolo eventual?
Dolo eventual ocorre quando o agente prevê o resultado, aceita-o (assume o risco de produzi-lo) e atua com indiferença frente ao bem jurídico lesado. Três são as exigências do dolo eventual: previsão do resultado, aceitação e indiferença. O dolo eventual não pode ser confundido com a culpa (consciente ou inconsciente), visto que nesta o agente não aceita o resultado nem atua com indiferença frente ao bem jurídico.
Uma outra diferença marcante entre tais conceitos é a seguinte: no crime culposo o agente se soubesse que iria matar alguém não teria prosseguido na sua ação. No dolo eventual o agente, contrariamente, mesmo sabendo que pode matar alguém prossegue no seu ato, porque esse resultado lhe é indiferente, ou seja, se ocorrer, ocorreu (tanto faz acontecer ou não acontecer, visto que lhe é indiferente a lesão ao bem jurídico).
Vulgarmente se diz que a distinção entre a culpa consciente e o dolo eventual está nas expressões: "danou-se" e "que se lixe" (ou que se dane), respectivamente.
Teoricamente não é complicado distinguir um instituto do outro. Na prática, no entanto, a questão não é tão simples, visto que nem sempre contamos com provas inequívocas do dolo eventual.
Se um terceiro diz para o motorista (que está participando de um racha) que ele pode matar pessoas e ele diz que "se matar, matou", "se morrer, morreu", sem sombra dúvida está comprovado o dolo eventual. Mas nem sempre (ou melhor: quase nunca) temos essa prova no processo. Daí a dificuldade de enquadramento da conduta.
Se enquadrada a conduta como dolosa a competência para o julgamento do caso é do Tribunal do Júri (que julga os crimes dolosos contra a vida). Quando desde logo o juiz instrutor não vislumbra nenhuma pertinência em relação ao dolo eventual, cabe desde logo desclassificar a infração, retirando-a do Tribunal do Júri.
Havendo um mínimo de justa causa (provas), compete ao juiz proferir a decisão de pronúncia. Depois, é da competência do Tribunal do Júri a conclusão final se o fato se deu mediante culpa (consciente ou inconsciente) ou dolo eventual.
Este, aliás, foi o posicionamento que fundamentou a negativa do pedido de habeas corpus no HC 199.100/SP (04/08/2011), pela Quinta Turma do STJ, de relatoria do Min. Jorge Mussi.
De acordo com a conclusão do Tribunal da Cidadania, a competência que a Constituição Federal atribuiu ao Tribunal do Júri garante que a avaliação aprofundada das provas seja feita em plenário. Por esta razão, a conclusão de que se houve por parte do acusado culpa (consciente ou inconsciente) ou dolo eventual há de ser feita pelo Júri.
O paciente do writ acima referido foi pronunciado por ter causado a morte da vítima porque, supostamente, estando embriagado, dirigia em alta velocidade tendo se envolvido em acidente fatal.
Como se sabe, a pronúncia é a decisão que leva o acusado a julgamento perante o Júri, tendo o juiz se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação (art. 413, CPP). E para que o fato seja julgado pelo Tribunal do Júri é necessário que o crime seja doloso contra a vida (art. 5º, inc. XXXVIII, CF/88).
Texto de autoria de Luiz Flávio Gomes – Jurista brasileiro Doutor em Direito Penal

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Venerável concessão de liminar em Habeas Corpus no STF

Algumas decisões proferidas pelo Judiciário são dignas de aclamação em razão da sobriedade e temperança jurídica intrínseca. A Suprema Corte pátria, então, costuma nos brindar com o douto intelecto que lhe é peculiar. Não que eu partilhe da sua opinião sempre porquanto há vezes em que me reservo ao direito de discordar. Contudo, no seguinte caso prático, aplaudo:
Concedida liminar em HC a funcionária de empresa de cruzeiros

O Supremo Tribunal Federal (STF) concedeu, liminarmente, pedido de liberdade feito por S.M.C., acusada de tentar fugir do país com o uso de documento falso para supostamente não responder à ação penal em que é apontada como responsável pela morte de sua mãe. Na decisão, o ministro Marco Aurélio (relator) avaliou que não se pode inverter a ordem natural de primeiro apurar o caso para depois prender o acusado.

S.M. foi levada para a Cadeia Feminina do 2ª Distrito Policial de Santos (SP), depois de ser presa em flagrante ao tentar retirar passaporte para viajar para a Argentina, sob acusação de uso de documento falso e falsidade ideológica. Os funcionários da Polícia Federal verificaram divergência nas informações prestadas por S.M. e deram ordem de prisão.

Segundo a defesa, não é possível falar em uso de documento falso, uma vez que a certidão de nascimento utilizada pela acusada, extraída no Cartório de Registro Civil em Manaus, seria válida. Em relação aos demais documentos apresentados, não haveria qualquer anotação relacionada à perda de validade. Os advogados também sustentam ser infundada a suspeita da justiça de primeira instância quanto à viagem à Argentina, pois, segundo alegam, a paciente é funcionária de uma empresa de cruzeiros marítimos e "somente pretendia descansar por alguns dias naquela localidade”.

Concessão da liminar

O relator observou que a prisão preventiva da acusada foi realizada considerada a suposição de que ela tentaria sair do país e viajar para a Argentina, com base na denúncia de apresentação de documento falso à Polícia Federal. Assim, conforme o ministro, foi apontada a necessidade de preservar a aplicação da lei penal, “sinalizando-se que a paciente tentaria esquivar-se da execução de eventual sentença condenatória”. “Aludiu-se ao que seria a prática no mesmo sentido em outro processo-crime”, disse.

Para o ministro Marco Aurélio, a acusada não pode permanecer presa. “O que assentado pelo Juízo não encontra ressonância no artigo 312 do Código de Processo Penal”, ressaltou. Conforme o relator, “a possibilidade de o acusado deixar o distrito da culpa, e até o território nacional, é latente”, no entanto avaliou que nem mesmo esse motivo podeensejar a inversão da ordem natural – apurar para, depois, prender.

“A problemática concernente a processo diverso não possui a repercussão vislumbrada”, considerou o ministro. Segundo ele, “incumbe perquirir se o ato de constrição impugnado guarda harmonia, ou não, com a ordem jurídica”. O ministro avaliou que, de início, no caso, isso não ocorre.

Dessa forma, o ministro Marco Aurélio concedeu a liminar pretendida nos autos do HC 107945, determinando a expedição do alvará soltura, caso a acusada não esteja presa por motivo diverso do decreto formalizado pela 3ª Vara Federal de Santos (SP). Por fim, o relator salientou que a acusada deve ser advertida sobre a necessidade de permanecer no Brasil, “mais especificamente no distrito da culpa [no local do crime]”.
EC/AD


Patente e claro que a suplicante do Habeas Corpus supracitado, que respondia a um processo, agora responde por dois. No primeiro, se confirmado, corresponde a fato típico ultrajante o qual deve ser imediatamente abominado. Ainda assim a suplicante possui os direitos constitucionais de presunção de inocência, devido processo legal, contraditório e ampla defesa (todos são inocentes até que se prove o contrário, mediante devido processo legal criminal transitado em julgado, dando-se a oportunidade para o contraditório e a ampla defesa). No segundo, responde por suposto crime de falsa documentação que deve ser aferido, sem que haja, contudo, a necessidade da custódia cautelar, como bem lembrou o v. decisum.
Desta feita, a prisão cautelar não poderia, jamais, se dar pelo segundo fato, visto que é um acontecimento que precisa ser aclarado pela autoridade competente. Poderia, no máximo, ser dar pelo primeiro fato, motivado pela iminente ameaça da agente de retirar-se do território nacional para descumprir eventual condenação. Entretanto, de se ressaltar que existe maneira competente e capaz para tanto, qual seja, o pedido de prisão preventiva devidamente fundamentado.
Tenho a plena convicção de que, apesar de evidente tais considerações, alguns magistrados atuariam de maneira diversa em caso concreto semelhante. Todavia, agora a mim só cabe aprovar e elogiar o brilhante julgamento liminar do ministro relator do leading case citado, Dr. Marco Aurélio.