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quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Fraude nos consórcios e contratos de financiamento

Uma modalidade de fraude, cujas vítimas são pessoas interessadas na aquisição de algum bem, ou mesmo na realização de um empréstimo financeiro que vem atingindo muitas pessoas. A empresa anuncia excelentes condições de financiamento, muitas vezes sem juros, como se fosse um consórcio ou alguma espécie de financeira, com ampla facilidade para o crédito.
O cliente, seduzido pela oferta, preenche um formulário, acertando um sinal já de início e parcelas a serem pagas. O contrato, na verdade, não é nada daquilo que propõe. Trata-se de uma sociedade em conta de participação, e, via de regra, o cliente apenas paga, mas nunca recebe algo em troca.
A sociedade em conta de participação é uma espécie de sociedade empresária sem personalidade jurídica. Não tem sequer nome ou CNPJ, portanto.
Nesta espécie de sociedade, existem dois tipos de sócios: o sócio ostensivo e o sócio participante ou sócio oculto. O sócio ostensivo é um empresário ou uma sociedade empresária, que responde pela sociedade em nome coletivo e exerce as suas atividades. Já o sócio participante, também conhecido por sócio investidor, é aquele que contribui para formação do patrimônio da sociedade, sem participar da administração ou gerência dos recursos, ou seja, só investe, com expectativas de retorno futuro. Trata-se de sociedade muito comum em empreendimentos imobiliários, onde a construtora é o sócio ostensivo, e o sócio participante é quem entra com o capital.
Atentas a esse tipo de operação, algumas empresas de idoneidade duvidosa passaram a se utilizar do contrato de sociedade em conta de participação para, fazendo uso da boa-fé, realizar anúncios que mais se parecem com consórcios ou contratos de financiamento. As ofertas, feitas através de campanha publicitária ou, verbalmente, por representantes das empresas reclamadas, consistem na possibilidade de recebimento imediato ou rápido do imóvel ou outro bem (automóvel ou moto) ou valor pretendido, sem burocracia alguma.
Em que pese utilizar-se o agente do artifício de constituição de uma sociedade comercial, em verdade a atividade exercida assemelha-se a um consórcio, necessitando, desse modo, de autorização do Banco Central do Brasil para seu funcionamento, nos termos da lei nº 8.177/1991, cujo art. 33 dispõe:
A partir de 1 ° de maio de 1991, são transferidas ao Banco Central do Brasil as atribuições previstas nos arts. 7° e 8° da Lei n° 5.768, de 20 de dezembro de 1971, no que se refere às operações conhecidas como consórcio, fundo mútuo e outras formas associativas assemelhadas, que objetivem a aquisição de bens de qualquer natureza.

Parágrafo único. A fiscalização das operações mencionadas neste artigo, inclusive a aplicação de penalidades, será exercida pelo Banco Central do Brasil.

A atividade exercida, portanto, apesar de travestida de sociedade em conta de participação, desenvolve-se de maneira irregular, o que encontra consequências criminais, nos termos da Lei 7.492/1986, que define os crimes contra o sistema financeiro nacional, e dá outras providências.  Veja-se, aliás, o que dispõe o art. 1o da citada Lei:
Art. 1º Considera-se instituição financeira, para efeito desta lei, a pessoa jurídica de direito público ou privado, que tenha como atividade principal ou acessória, cumulativamente ou não, a captação, intermediação ou aplicação de recursos financeiros (Vetado) de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, ou a custódia, emissão, distribuição, negociação, intermediação ou administração de valores mobiliários.
Parágrafo único. Equipara-se à instituição financeira:

I – a pessoa jurídica que capte ou administre seguros, câmbio, consórcio, capitalização ou qualquer tipo de poupança, ou recursos de terceiros;

II – a pessoa natural que exerça quaisquer das atividades referidas neste artigo, ainda que de forma eventual.

A referida lei traz, ainda, em seu art. 16 a seguinte previsão de crime:
Art. 16. Fazer operar, sem a devida autorização, ou com autorização obtida mediante declaração (Vetado) falsa, instituição financeira, inclusive de distribuição de valores mobiliários ou de câmbio:

Pena – Reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

Ora, na hipótese, houve efetiva formação e o funcionamento de grupos para aquisição de bens por meio de sociedade em conta de participação, o que não tem respaldo legal, pois, de outro modo, permitir-se-ia a operação de consórcios sem a devida autorização do Banco Central.
Haverá, certamente, quem entenda que a atuação não estaria abrangida pela Lei 7.492/1986, não se tratando, portanto, de crime contra o sistema financeiro, mas modalidade de estelionato, nos termos do art. 171 do Código Penal. Em que pese, entretanto, a divergência, o STJ já decidiu (CC nº 41915/SP e CC nº 55.446/SP), que, ao menos em tese, trata-se do crime previsto na legislação extravagante.
Sob o aspecto do prejuízo dos consumidores, diversas são as possibilidades, na esfera cível.  É possível, por exemplo a ação individual de algum lesado pretendendo o ressarcimento dos valores gastos e reparação por danos morais ou, também cabível, a demanda coletiva, por meio de ação civil pública (podendo ser proposta, por exemplo, pelo Ministério Público ou Defensoria Pública), visando não só ao ressarcimento e compensação dos lesados, mas também a uma tutela preventiva e inibitória, no sentido de coibir a permanência do agente na conduta ilícita, a fim de evitar, inclusive, a ocorrência de novos golpes.
Interessante que, em casos como este, ao ser acionada judicialmente, um dos argumentos da empresa na contestação é a inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor, por não tratar-se de relação de consumo, mas societária. Desse modo, a empresa ré pretende extinguir a discussão, que muitas vezes se dá nos Juizados Cíveis ou nos Procons. Entretanto, o Ministério da Justiça, atento às reiteradas tentativas dos golpistas de evitar a aplicação da justiça, por meio do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor/DPDC, encaminhou aos Procons Estaduais o Ofício 2323, no qual comunica a ocorrência de irregularidades nas atividades exercidas por sociedades por conta de participação que atuam em vários Estados, e também, apresenta parecer explicativo sobre o referido negócio jurídico, mostrando, além dos riscos comuns, a possibilidade de aplicação do Código de Defesa do Consumidor.
Evidente que o Ofício expedido pelo Ministério da Justiça, embora de relevância, dado que auxilia no esclarecimento da interpretação dos fatos e na aplicação legal, certamente não poderia ter outro teor, pois, do contrário, estaria estabelecida uma exceção à máxima de que a ninguém é dado beneficiar-se da própria torpeza. Assim, o responsável pela sociedade, na medida em que, embora tenha criado um contrato possível no mundo jurídico, agiu de má-fé, fraudando, não poderia se beneficiar alegando em sua defesa a própria fraude.
De fato, conforme conclui o DPDC/MJ em seu parecer:
1. Não há qualquer relação entre sócios, e sim a prestação de serviços de administração de recursos de terceiros, sendo remunerado pecuniariamente o administrador pelas sua atividades.
2. Não existe o objeto social alegado, ou seja, a formação de fundo específico. Existe, na prática, o desenvolvimento de operacções financeiras com recursos de terceiros, o que constitui atividade privativa das instituições financeiras autorizadas pelo Poder Público.
3. Havendo a ocorrência de prestação de serviços, consistente na administração de recursos de terceiros, há, indiscutivelmente, a prestação de serviços e, tão logo, haverá a incidência dos ditames do Código de Defesa do Consumidor.
De todo modo, a prevenção é sempre a melhor atitude do consumidor, em casos de desconfiança ou oferta com vantagens fora do padrão. É possível, por exemplo, realizar consultas junto ao Procon, ou mesmo nos sites das justiças federal e estadual, a fim de verificar eventuais históricos envolvendo a empresa com quem se deseja negociar.
Furtado honestamente daqui.

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