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segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Suposições de ameaça a testemunhas e fuga do réu não justificam prisão cautelar

A mera suposição de que o réu ameaçaria testemunhas ou o fato de ter fugido do local dos acontecimentos não justificam a prisão cautelar. A decisão é da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao conceder habeas corpus a acusado de homicídio decorrente de discussão banal.
O acusado estaria dirigindo em alta velocidade em área residencial. Ao passar pela vítima, que lavava seu veículo, foi advertido, o que causou discussão entre eles. Logo depois, o acusado teria voltado ao local, dirigindo motocicleta e armado. Ao passar pela vítima, o garupa, menor, efetuou disparos no peito do morador.
Para o juiz processante, a prisão preventiva do réu era necessária em razão das circunstâncias do crime, do perigo demonstrado pelo agente e porque já teria passagens pela polícia. Além disso, sua liberdade “permitiria” que as testemunhas “se sentissem ameaçadas”. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) manteve a ordem de prisão, acrescentando que, quando do julgamento do habeas corpus originário, o mandado ainda não tinha sido cumprido nem o réu tinha se apresentado espontaneamente.
Gradação da inocência
Para a ministra Maria Thereza de Assis Moura, a Constituição da República não fez distinção alguma entre situações ao estabelecer que ninguém poderá ser considerado culpado antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Por isso, a regra é a liberdade, que não pode ser afastada por força de lei, mas apenas diante da fundamentação concreta do juiz diante do caso específico.
A necessidade de fundamentação decorre do fato de que, em se tratando de restringir uma garantia constitucional, é preciso que se conheça dos motivos que a justificam”, afirmou a relatora. “Pensar-se diferentemente seria como estabelecer uma gradação no estado de inocência presumida. Ora, é-se inocente, numa primeira abordagem, independentemente da imputação. Tal decorre da raiz da ideia-força da presunção de inocência e deflui dos limites da condição humana, a qual se ressente de imanente falibilidade”, completou.
Segundo a relatora, no caso analisado, o juiz, com o aval do TJ, apenas fixou a gravidade abstrata do delito e supôs que o réu, em liberdade, iria ameaçar testemunhas, sem demonstrar elemento concreto que justificasse a prisão cautelar. “Ao menos, nada foi indicado na decisão, que deixou, assim, de apontar circunstâncias relativas a comportamento pessoal que viessem a justificar medida restritiva”, concluiu.
Opinião
Sempre tive em boa conta o Tribunal de Justiça de São Paulo. E ainda tenho, apesar da decisão proferida no caso acima narrado. É que o TJSP é um dos únicos tribunais de justiça brasileiros a realmente dar o merecido valor aos preceitos constitucionais, v.g. estado de inocência (presunção de inocência), dignidade da pessoa humana e ampla defesa.
Todavia, não há como negar que a decisão do STJ de reformar o acórdão foi, a valer, acertada. Isso porque, nesse caso, o TJSP agiu como costumam agir os tribunais de justiça Brasil afora, aí incluso no TJAM.
Arcar com os prejuízos de decisões que se olvidam dos normativos constitucionais não é privilégio dos réus paulistas. Aliás, infelizmente é numerosa a quantidade de decisões que deixam de fundamentar a custódia cautelar para apenas dizer que “como existe previsão legal para a prisão preventiva, ser-lhe-á aplicada”, ou seja, não informam o que motiva a prisão processual, bastando-se em dizer que a lei autoriza. Isso é um absurdo!
Em outros casos, alguns doutos magistrados, temendo ver sua decisão reformada em via recursal, informam nas interlocutórias, por exemplo, que “por haver expressa previsão legal do dever de fundamentar a custódia preventiva, aplica-se a prisão processual para garantir a ordem pública em função da gravidade do crime praticado (exemplo)”. Isso é outro absurdo.
Cada caso é um caso. Cada problema com a sua solução. Aplicar a prisão preventiva com o intuito de se garantir a ordem pública levando-se em consideração única e exclusivamente a periculosidade do crime supostamente perpetrado pelo réu é desafiar enorme gama de princípios da nossa Lei Maior. Seria, pois, um motivo abstrato que não deve ser levado em conta na apreciação na liberdade provisória.
Não quero, de maneira alguma, ensinar o ministro sacerdotal a proferir sua liturgia (velho “ensinar o pai nosso ao vigário”, atualizado em tempos de liberdade de crenças), mas em análise de concessão de liberdade provisória, seja pelo artigo 310 do CPP (recebimento dos autos de flagrante), seja pelo artigo 321 do mesmo diploma legal (ausência dos motivos da preventiva), o magistrado deve se ater aos motivos concretos, determinantes e contidos nos autos. Supor, nesse caso, sobretudo em prejuízo do réu, não lhe é permitido!
Por tudo isso, só resta concluir o quão acertada e feliz foi a decisão da ministra Maria Thereza de Assis Moura, relatora do pedido de Habeas Corpus no Superior Tribunal de Justiça, fazendo valer, pois, a nossa Constituição Federal que está prestes a completar 23 anos, e dando-lhe efetiva força para afastar aquele pensamento de que a Carta Magna é apenas um material consultivo e sem poder de obrigar.

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