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quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Fraude nos consórcios e contratos de financiamento

Uma modalidade de fraude, cujas vítimas são pessoas interessadas na aquisição de algum bem, ou mesmo na realização de um empréstimo financeiro que vem atingindo muitas pessoas. A empresa anuncia excelentes condições de financiamento, muitas vezes sem juros, como se fosse um consórcio ou alguma espécie de financeira, com ampla facilidade para o crédito.
O cliente, seduzido pela oferta, preenche um formulário, acertando um sinal já de início e parcelas a serem pagas. O contrato, na verdade, não é nada daquilo que propõe. Trata-se de uma sociedade em conta de participação, e, via de regra, o cliente apenas paga, mas nunca recebe algo em troca.
A sociedade em conta de participação é uma espécie de sociedade empresária sem personalidade jurídica. Não tem sequer nome ou CNPJ, portanto.
Nesta espécie de sociedade, existem dois tipos de sócios: o sócio ostensivo e o sócio participante ou sócio oculto. O sócio ostensivo é um empresário ou uma sociedade empresária, que responde pela sociedade em nome coletivo e exerce as suas atividades. Já o sócio participante, também conhecido por sócio investidor, é aquele que contribui para formação do patrimônio da sociedade, sem participar da administração ou gerência dos recursos, ou seja, só investe, com expectativas de retorno futuro. Trata-se de sociedade muito comum em empreendimentos imobiliários, onde a construtora é o sócio ostensivo, e o sócio participante é quem entra com o capital.
Atentas a esse tipo de operação, algumas empresas de idoneidade duvidosa passaram a se utilizar do contrato de sociedade em conta de participação para, fazendo uso da boa-fé, realizar anúncios que mais se parecem com consórcios ou contratos de financiamento. As ofertas, feitas através de campanha publicitária ou, verbalmente, por representantes das empresas reclamadas, consistem na possibilidade de recebimento imediato ou rápido do imóvel ou outro bem (automóvel ou moto) ou valor pretendido, sem burocracia alguma.
Em que pese utilizar-se o agente do artifício de constituição de uma sociedade comercial, em verdade a atividade exercida assemelha-se a um consórcio, necessitando, desse modo, de autorização do Banco Central do Brasil para seu funcionamento, nos termos da lei nº 8.177/1991, cujo art. 33 dispõe:
A partir de 1 ° de maio de 1991, são transferidas ao Banco Central do Brasil as atribuições previstas nos arts. 7° e 8° da Lei n° 5.768, de 20 de dezembro de 1971, no que se refere às operações conhecidas como consórcio, fundo mútuo e outras formas associativas assemelhadas, que objetivem a aquisição de bens de qualquer natureza.

Parágrafo único. A fiscalização das operações mencionadas neste artigo, inclusive a aplicação de penalidades, será exercida pelo Banco Central do Brasil.

A atividade exercida, portanto, apesar de travestida de sociedade em conta de participação, desenvolve-se de maneira irregular, o que encontra consequências criminais, nos termos da Lei 7.492/1986, que define os crimes contra o sistema financeiro nacional, e dá outras providências.  Veja-se, aliás, o que dispõe o art. 1o da citada Lei:
Art. 1º Considera-se instituição financeira, para efeito desta lei, a pessoa jurídica de direito público ou privado, que tenha como atividade principal ou acessória, cumulativamente ou não, a captação, intermediação ou aplicação de recursos financeiros (Vetado) de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, ou a custódia, emissão, distribuição, negociação, intermediação ou administração de valores mobiliários.
Parágrafo único. Equipara-se à instituição financeira:

I – a pessoa jurídica que capte ou administre seguros, câmbio, consórcio, capitalização ou qualquer tipo de poupança, ou recursos de terceiros;

II – a pessoa natural que exerça quaisquer das atividades referidas neste artigo, ainda que de forma eventual.

A referida lei traz, ainda, em seu art. 16 a seguinte previsão de crime:
Art. 16. Fazer operar, sem a devida autorização, ou com autorização obtida mediante declaração (Vetado) falsa, instituição financeira, inclusive de distribuição de valores mobiliários ou de câmbio:

Pena – Reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

Ora, na hipótese, houve efetiva formação e o funcionamento de grupos para aquisição de bens por meio de sociedade em conta de participação, o que não tem respaldo legal, pois, de outro modo, permitir-se-ia a operação de consórcios sem a devida autorização do Banco Central.
Haverá, certamente, quem entenda que a atuação não estaria abrangida pela Lei 7.492/1986, não se tratando, portanto, de crime contra o sistema financeiro, mas modalidade de estelionato, nos termos do art. 171 do Código Penal. Em que pese, entretanto, a divergência, o STJ já decidiu (CC nº 41915/SP e CC nº 55.446/SP), que, ao menos em tese, trata-se do crime previsto na legislação extravagante.
Sob o aspecto do prejuízo dos consumidores, diversas são as possibilidades, na esfera cível.  É possível, por exemplo a ação individual de algum lesado pretendendo o ressarcimento dos valores gastos e reparação por danos morais ou, também cabível, a demanda coletiva, por meio de ação civil pública (podendo ser proposta, por exemplo, pelo Ministério Público ou Defensoria Pública), visando não só ao ressarcimento e compensação dos lesados, mas também a uma tutela preventiva e inibitória, no sentido de coibir a permanência do agente na conduta ilícita, a fim de evitar, inclusive, a ocorrência de novos golpes.
Interessante que, em casos como este, ao ser acionada judicialmente, um dos argumentos da empresa na contestação é a inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor, por não tratar-se de relação de consumo, mas societária. Desse modo, a empresa ré pretende extinguir a discussão, que muitas vezes se dá nos Juizados Cíveis ou nos Procons. Entretanto, o Ministério da Justiça, atento às reiteradas tentativas dos golpistas de evitar a aplicação da justiça, por meio do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor/DPDC, encaminhou aos Procons Estaduais o Ofício 2323, no qual comunica a ocorrência de irregularidades nas atividades exercidas por sociedades por conta de participação que atuam em vários Estados, e também, apresenta parecer explicativo sobre o referido negócio jurídico, mostrando, além dos riscos comuns, a possibilidade de aplicação do Código de Defesa do Consumidor.
Evidente que o Ofício expedido pelo Ministério da Justiça, embora de relevância, dado que auxilia no esclarecimento da interpretação dos fatos e na aplicação legal, certamente não poderia ter outro teor, pois, do contrário, estaria estabelecida uma exceção à máxima de que a ninguém é dado beneficiar-se da própria torpeza. Assim, o responsável pela sociedade, na medida em que, embora tenha criado um contrato possível no mundo jurídico, agiu de má-fé, fraudando, não poderia se beneficiar alegando em sua defesa a própria fraude.
De fato, conforme conclui o DPDC/MJ em seu parecer:
1. Não há qualquer relação entre sócios, e sim a prestação de serviços de administração de recursos de terceiros, sendo remunerado pecuniariamente o administrador pelas sua atividades.
2. Não existe o objeto social alegado, ou seja, a formação de fundo específico. Existe, na prática, o desenvolvimento de operacções financeiras com recursos de terceiros, o que constitui atividade privativa das instituições financeiras autorizadas pelo Poder Público.
3. Havendo a ocorrência de prestação de serviços, consistente na administração de recursos de terceiros, há, indiscutivelmente, a prestação de serviços e, tão logo, haverá a incidência dos ditames do Código de Defesa do Consumidor.
De todo modo, a prevenção é sempre a melhor atitude do consumidor, em casos de desconfiança ou oferta com vantagens fora do padrão. É possível, por exemplo, realizar consultas junto ao Procon, ou mesmo nos sites das justiças federal e estadual, a fim de verificar eventuais históricos envolvendo a empresa com quem se deseja negociar.
Furtado honestamente daqui.

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Tragédia no Chibatão: Pouco caso das autoridades ambientais e decisões judiciais equivocadas

Li no Blog do Holanda:
A tragédia do Porto Chibatão é consequência do pouco caso das autoridades ambientais e  de decisões judiciais equivocadas. Ao julgar em 2006 a  Ação Popular que  pedia a nulidade das licenças ambientais concedidas  à empresa Chibatão Navegação e Comércio Ltda, o juiz  Márcio Rothier Torres, da 4a Vara da Fazenda Pública Estadual, insinuou que o autor agia com base em rixa pessoal e mandou arquivar o processo (clique e leia a decisão do juiz). Em julho de 2007 o Ministério Público entrou com um recurso contra a decisão do magistrado, pedindo que a ação popular fosse considerada e o Ipaam obrigado a fiscalizar a área do porto e a determinação para que a empresa responsável   se abstivesse de efetuar qualquer obra no local, ou desenvolver atividade portuária, até a regularização das licenças. O pedido do MP (clique e leia na íntegra),  dormiu na mesa do então desembargador Rui Morato e nunca foi a julgamento.
Na Ação Popular havia o argumento de que o Chibatão solicitou licença ambiental para operação de atividade de transporte de carga em geral, mas no memorial descritivo não existia referência à "ancoragem de navios de grande calado, tampouco de construção de uma ponte rio adentro",  mas apenas a "um porto simples, do tipo comumente utilizado na região, destinado a atracações de barcos de passageiros, bem como balsas".
O Ipaam, curiosamente, ao conceder as licenças, classificou o empreendimento "como de pequeno porte e de alto potencial poluidor/degradador". Em 2004, a empresa solicitou licença para instalação e ampliação do mesmo porto, incluindo a construção de uma ponte e de um porto flutuante. Licença concedida em 5 de maio de 2004. Nesse caso, o Ipaam classificou a ampliação como "atividade de pequeno porte e com médio poluidor/degradador" e não se referiu à ponte que fazia ligação do Porto Chibatão para um "porto localizado rio adentro".
Tudo que foi feito ou sugerido na época, tanto pelos autores da ação popular quanto pelo Ministério Público, revelam uma incrível relação com os desastres agora verificados e são reveladores de que licenças ambientais eram concedidas com base em interesses nada republicanos.

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

A morte de uma juíza ou a morte do Direito?

Hoje me peguei lendo um memorável texto do professor Damásio de Jesus sobre o assassinato da juíza Patrícia Acioli, que transcrevo para comentar alguns pontos:
Damásio de Jesus é advogado, Professor de Direito Penal, Presidente do Complexo Jurídico Damásio de Jesus e Diretor-Geral da Faculdade de Direito Damásio de Jesus. Recebeu o Prêmio Costa e Silva e o Colar D. Pedro I, é Doutor Honoris Causa em Direito pela Universidade de Estudos de Salerno (Itália) e autor de livros na área criminal.
Há muitos anos, causou grande sensação, em todo o mundo, um filme italiano, tão ultra-realista que chegava a tocar nas raias do surrealismo, intitulado Mundo Cão - Mondo Cane, no original. Era um espetáculo chocante, destinado a produzir nos assistentes as reações de horror mais desagradáveis. Apresentava-se, segundo foi comentado na época, como um documentário de cunho antropológico ou sociológico, exibindo cenas reais que se passavam em muitos países do mundo, mostrando como a humanidade fabrica horrores considerados normais de acordo com a cultura prevalente em determinados locais. Cenas de mutilação humana, torturas, brigas sangrentas entre animais e rituais de seitas satânicas exibidas na tela do cinema da forma mais brutal. Esse filme lançou a expressão mundo cão.

Embora me chocasse profundamente o conteúdo, julguei meu dever assistir a ele. Já exercia a função de Promotor Público, denominação da época, e lecionava Direito Penal como professor titular. Pensei que precisava conhecer o mundo real em suas mais agressivas e chocantes manifestações.

De lá para cá, vez por outra, vejo na imprensa referências ao filme ou à expressão "mundo cão", que virou moeda cunhada, utilizada por muita gente que nem dele teve conhecimento.

Pois foi a expressão "mondo cane", com todo o sabor e toda a carga emocional que ela tem no rico e sonoro idioma italiano, que me veio ao espírito quando soube da morte da juíza Patrícia Lourival Acioli, ocorrida no último dia 11 de agosto, no Rio de Janeiro. Esse é um fato que somente comento porque é meu dever pessoal fazê-lo, mas, com sinceridade, preferiria esquecê-lo, ignorá-lo, imaginar um mundo em que ele não pudesse ter ocorrido.

O homicídio foi largamente noticiado em todos os seus pormenores e é do conhecimento geral. A magistrada era, de longa data, conhecida pelo rigor com que procedia a seu labor judiciário, ignorando as frequentes ameaças que recebia, supostamente por parte de pessoas ou grupos criminosos os quais, em seu trabalho, incansavelmente perseguia. Ela chegou a ser protegida policialmente durante muito tempo, acompanhada por três policiais. Quando, porém, essa proteção foi reduzida a um único guarda-costas, ela se irritou e decidiu abrir mão do que lhe parecia insuficiente. E foi sozinha, na direção de seu automóvel, que os executores a encontraram. Com 21 tiros tiraram a vida da juíza, que contava 47 anos de idade e deixou três filhos adolescentes.

Particularidade que, para nós, profissionais do Direito e pessoas que temos o senso do simbolismo e significado das datas, chama a atenção: o crime ocorreu na noite do dia onze de agosto, precisamente o dia consagrado, no Brasil, à comemoração do Direito. Nele se comemora o aniversário da instituição dos nossos primeiros cursos jurídicos. É o Dia do Advogado. É o Dia do Direito.

Um crime, praticado com tanta brutalidade contra uma mulher, já é, de si, algo revoltante. "Em mulher não se bate nem com uma flor" -, sempre se dizia quando eu era menino. Ademais, uma juíza, ou seja, representante de um dos três Poderes do Estado, digna do maior respeito.

Quando criança, o Zinho, meu apelido de moleque sonhador, aprendeu a respeitar, de modo muito especial, não só as mulheres, mas também os juízes, pela nobreza e elevação das funções que exercem. Naquele tempo, havia na cidade de Marília, como autoridades, o juiz, o promotor, o prefeito e o padre. Jamais me passaria pela cabeça que um dia alguém viesse a matar um juiz porque ele agiu exatamente como determina a lei. Zinho, garoto que sonhava alto, jamais poderia supor que alguém viesse a matar seu semelhante exatamente porque era bom. Quando é que podia imaginar que o bom viesse a morrer assassinado pelo mal só porque era bom?

Ah, moleque Zinho, mataram a juíza Patrícia só porque era uma boa juíza!

Perdoem-me os leitores tantas reminiscências da minha infância, mas é a elas que sinto necessidade de recorrer para exprimir o imenso desconcerto em que me deixou a notícia. Só elas me permitem avaliar a imensa transformação que teve o mundo desde a década de 1940, quando meu espírito, ainda em formação, começava a analisar a realidade que me circundava, até o corrente ano de 2011.

E, ademais, no dia onze de agosto, logo nesse dia... Creio que os criminosos quiseram, na fixação da data, marcar que neste país o Direito não tem mais vez. É a violência criminosa que impera. O Estado nada pode. São instituições paralelas que exercem, de facto, o poder. Mais do que a morte de uma juíza, é a morte do próprio Direito que, acredito, quiseram assinalar os autores e mandantes do monstruoso crime. "Tudo está dominado".

Apesar de profundamente chocado, ainda tenho esperanças de que a nossa sociedade civil, embora minada por numerosos fatores de desagregação ética e moral, ainda agirá salutarmente.

Creio na força e na vitalidade do nosso Poder Judiciário. Confio nas corporações policiais civis e militares, no Ministério Público, na Imprensa, enfim, em todas as forças vivas da Nação. Aguardo uma ação, não uma reação, impondo uma urgente mudança de rumos à prevenção e repressão ao crime organizado e à criminalidade de massa no Brasil.

Essa mudança de rumos é mais do que oportuna: é necessária e indispensável. E é urgente, muito urgente.

Estou ficando velho. Cada vez fica mais distante o tempo em que não se matava juiz.

Mas o Direito não morreu. Ele não pode morrer; é imortal.

OPINIÃO
Pois bem. Minha intenção era a de escrever longo compêndio. Aliás, o termo longo compêndio é, de per se, contraditório, porquanto compêndio nada mais é do que um resumo de doutrinas; síntese. Logo, não pode existir longa síntese de alguma coisa.
Também nem tenho muito mais a acrescentar às palavras do grande jurista Damásio, a não ser, claro, forte embate à sua confiança nas corporações policiais militares. Não estou querendo dizer que a polícia militar, instituição antiga e com alguma história, não é digna da confiança do professor Damásio, ou da minha. Todavia, certamente quando Damásio escreveu o referido artigo (02/09/2011) ele mal poderia desconfiar que integrantes de alta patente da Polícia Militar estavam envolvidos diretamente (inclusive na execução) no assassinato da juíza Patrícia Acioli. Isso é de se lamentar profundamente. Uma vergonha!
Temos bandidos em todos os cantos do Brasil e, como se não fosse o suficiente, temos policiais bandidos que deturpam a finalidade policial, que atuam somente na defesa dos próprios interesses criminosos.
Sei que existem policiais que não merecem ser vistos como bandidos, pois não compartilham a sujeira, imundície, porcaria, indecência, bandalheira, tratantada... Mas, infelizmente, de se ver publicamente mais casos de nojeira policial do que de honra trabalho sério.
Até quando?!
Veja as reportagens sobre o caso veiculadas no programa Fantástico, da TV Globo:


Acidente de trânsito: culpa ou dolo eventual?

Incontáveis "acidentes" de trânsito ocorridos nos últimos tempos estão sendo enquadrados como dolo eventual. Nessa categoria entraram: o caso do carro Porsche em São Paulo, o caso da nutricionista que atropelou um rapaz na Vila Madalena (SP), o caso do ex-deputado paranaense que matou duas pessoas em Curitiba etc. Nenhum desses casos ainda foi julgado pelo Tribunal do Júri, a quem compete (finalmente) dizer se efetivamente houve ou não dolo eventual.
O motorista que conduz seu veículo em alta velocidade, só por isso já está atuando de forma dolosa? Quem dirige embriagado, só por isso já deve ser enquadrado no dolo eventual?
Dolo eventual ocorre quando o agente prevê o resultado, aceita-o (assume o risco de produzi-lo) e atua com indiferença frente ao bem jurídico lesado. Três são as exigências do dolo eventual: previsão do resultado, aceitação e indiferença. O dolo eventual não pode ser confundido com a culpa (consciente ou inconsciente), visto que nesta o agente não aceita o resultado nem atua com indiferença frente ao bem jurídico.
Uma outra diferença marcante entre tais conceitos é a seguinte: no crime culposo o agente se soubesse que iria matar alguém não teria prosseguido na sua ação. No dolo eventual o agente, contrariamente, mesmo sabendo que pode matar alguém prossegue no seu ato, porque esse resultado lhe é indiferente, ou seja, se ocorrer, ocorreu (tanto faz acontecer ou não acontecer, visto que lhe é indiferente a lesão ao bem jurídico).
Vulgarmente se diz que a distinção entre a culpa consciente e o dolo eventual está nas expressões: "danou-se" e "que se lixe" (ou que se dane), respectivamente.
Teoricamente não é complicado distinguir um instituto do outro. Na prática, no entanto, a questão não é tão simples, visto que nem sempre contamos com provas inequívocas do dolo eventual.
Se um terceiro diz para o motorista (que está participando de um racha) que ele pode matar pessoas e ele diz que "se matar, matou", "se morrer, morreu", sem sombra dúvida está comprovado o dolo eventual. Mas nem sempre (ou melhor: quase nunca) temos essa prova no processo. Daí a dificuldade de enquadramento da conduta.
Se enquadrada a conduta como dolosa a competência para o julgamento do caso é do Tribunal do Júri (que julga os crimes dolosos contra a vida). Quando desde logo o juiz instrutor não vislumbra nenhuma pertinência em relação ao dolo eventual, cabe desde logo desclassificar a infração, retirando-a do Tribunal do Júri.
Havendo um mínimo de justa causa (provas), compete ao juiz proferir a decisão de pronúncia. Depois, é da competência do Tribunal do Júri a conclusão final se o fato se deu mediante culpa (consciente ou inconsciente) ou dolo eventual.
Este, aliás, foi o posicionamento que fundamentou a negativa do pedido de habeas corpus no HC 199.100/SP (04/08/2011), pela Quinta Turma do STJ, de relatoria do Min. Jorge Mussi.
De acordo com a conclusão do Tribunal da Cidadania, a competência que a Constituição Federal atribuiu ao Tribunal do Júri garante que a avaliação aprofundada das provas seja feita em plenário. Por esta razão, a conclusão de que se houve por parte do acusado culpa (consciente ou inconsciente) ou dolo eventual há de ser feita pelo Júri.
O paciente do writ acima referido foi pronunciado por ter causado a morte da vítima porque, supostamente, estando embriagado, dirigia em alta velocidade tendo se envolvido em acidente fatal.
Como se sabe, a pronúncia é a decisão que leva o acusado a julgamento perante o Júri, tendo o juiz se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação (art. 413, CPP). E para que o fato seja julgado pelo Tribunal do Júri é necessário que o crime seja doloso contra a vida (art. 5º, inc. XXXVIII, CF/88).
Texto de autoria de Luiz Flávio Gomes – Jurista brasileiro Doutor em Direito Penal

Três frases de Peter Drucker – Gestão na Advocacia

Três frases de Peter Drucker que podem estar acontecendo agora na sua empresa:
1.     “Não sou especialista em Brasil, mas uma coisa estou habilitado a dizer: Não creiam que mão-de-obra barata ainda seja uma vantagem.”
2.     “Gerenciamento é substituir músculos por pensamentos, folclore e superstição por conhecimento, e força por cooperação.”
3.     “A meta do marketing é conhecer e entender o consumidor tão bem, que o produto ou serviço se molde a ele e se venda sozinho.”
Você concorda com Peter Drucker?
Quanto a mão de obra
Muitos e muitos preferem ter exércitos de estagiários ao invés de profissionais. Um ledo engano. Estagiários são para estágio, ou seja, estão ali para aprender,  para um plano de carreira futuro. Não estão ali para exercer tudo que um profissional faz a um preço mais econômico. Como diz o ditado é mais temível um exército de ovelhas liderados por um leão do que um exército de leões liderados por uma ovelha.
Tenha profissionais aonde está a estratégia do negócio. Mão de obra barata apenas trará erros e retrabalho.
Quanto ao gerenciamento
Músculos são bons para autoestima, para saúde, mas para organização melhor a inteligência. Use e abuse da sua crítica a procedimentos e use sua criatividade para fazer melhor o seu dia a dia!
Muitos dizem que não mudam porque sempre foi assim, ou seja, acreditam em folclores e superstições como forma de resolver as coisas. Não aceite isto! Pense e mude. Seu negócio depende de ser um camaleão todos os dias!
Se você pensa que tudo depende de você, você está enganado. Tudo depende em fato da maneira como você coopera com a sua equipe.  Sozinhos não somos a empresa. Cooperar entre pessoas é fundamental.
Quanto ao marketing
Não basta reverenciar o produto ou serviço. Você tem que conhecer o seu cliente. Saber o seu DNA. Não é o cliente que tem que se adaptar, o seu negócio é que deve ser espelho daquilo que o cliente deseja.
Enfim,
Você concorda com Peter Drucker e com meus pensamentos?
Fonte: Gestao.adv.br – Artigo escrito por Gustavo Rocha, diretor da consultoria GestaoAdvBr.

Suposições de ameaça a testemunhas e fuga do réu não justificam prisão cautelar

A mera suposição de que o réu ameaçaria testemunhas ou o fato de ter fugido do local dos acontecimentos não justificam a prisão cautelar. A decisão é da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao conceder habeas corpus a acusado de homicídio decorrente de discussão banal.
O acusado estaria dirigindo em alta velocidade em área residencial. Ao passar pela vítima, que lavava seu veículo, foi advertido, o que causou discussão entre eles. Logo depois, o acusado teria voltado ao local, dirigindo motocicleta e armado. Ao passar pela vítima, o garupa, menor, efetuou disparos no peito do morador.
Para o juiz processante, a prisão preventiva do réu era necessária em razão das circunstâncias do crime, do perigo demonstrado pelo agente e porque já teria passagens pela polícia. Além disso, sua liberdade “permitiria” que as testemunhas “se sentissem ameaçadas”. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) manteve a ordem de prisão, acrescentando que, quando do julgamento do habeas corpus originário, o mandado ainda não tinha sido cumprido nem o réu tinha se apresentado espontaneamente.
Gradação da inocência
Para a ministra Maria Thereza de Assis Moura, a Constituição da República não fez distinção alguma entre situações ao estabelecer que ninguém poderá ser considerado culpado antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Por isso, a regra é a liberdade, que não pode ser afastada por força de lei, mas apenas diante da fundamentação concreta do juiz diante do caso específico.
A necessidade de fundamentação decorre do fato de que, em se tratando de restringir uma garantia constitucional, é preciso que se conheça dos motivos que a justificam”, afirmou a relatora. “Pensar-se diferentemente seria como estabelecer uma gradação no estado de inocência presumida. Ora, é-se inocente, numa primeira abordagem, independentemente da imputação. Tal decorre da raiz da ideia-força da presunção de inocência e deflui dos limites da condição humana, a qual se ressente de imanente falibilidade”, completou.
Segundo a relatora, no caso analisado, o juiz, com o aval do TJ, apenas fixou a gravidade abstrata do delito e supôs que o réu, em liberdade, iria ameaçar testemunhas, sem demonstrar elemento concreto que justificasse a prisão cautelar. “Ao menos, nada foi indicado na decisão, que deixou, assim, de apontar circunstâncias relativas a comportamento pessoal que viessem a justificar medida restritiva”, concluiu.
Opinião
Sempre tive em boa conta o Tribunal de Justiça de São Paulo. E ainda tenho, apesar da decisão proferida no caso acima narrado. É que o TJSP é um dos únicos tribunais de justiça brasileiros a realmente dar o merecido valor aos preceitos constitucionais, v.g. estado de inocência (presunção de inocência), dignidade da pessoa humana e ampla defesa.
Todavia, não há como negar que a decisão do STJ de reformar o acórdão foi, a valer, acertada. Isso porque, nesse caso, o TJSP agiu como costumam agir os tribunais de justiça Brasil afora, aí incluso no TJAM.
Arcar com os prejuízos de decisões que se olvidam dos normativos constitucionais não é privilégio dos réus paulistas. Aliás, infelizmente é numerosa a quantidade de decisões que deixam de fundamentar a custódia cautelar para apenas dizer que “como existe previsão legal para a prisão preventiva, ser-lhe-á aplicada”, ou seja, não informam o que motiva a prisão processual, bastando-se em dizer que a lei autoriza. Isso é um absurdo!
Em outros casos, alguns doutos magistrados, temendo ver sua decisão reformada em via recursal, informam nas interlocutórias, por exemplo, que “por haver expressa previsão legal do dever de fundamentar a custódia preventiva, aplica-se a prisão processual para garantir a ordem pública em função da gravidade do crime praticado (exemplo)”. Isso é outro absurdo.
Cada caso é um caso. Cada problema com a sua solução. Aplicar a prisão preventiva com o intuito de se garantir a ordem pública levando-se em consideração única e exclusivamente a periculosidade do crime supostamente perpetrado pelo réu é desafiar enorme gama de princípios da nossa Lei Maior. Seria, pois, um motivo abstrato que não deve ser levado em conta na apreciação na liberdade provisória.
Não quero, de maneira alguma, ensinar o ministro sacerdotal a proferir sua liturgia (velho “ensinar o pai nosso ao vigário”, atualizado em tempos de liberdade de crenças), mas em análise de concessão de liberdade provisória, seja pelo artigo 310 do CPP (recebimento dos autos de flagrante), seja pelo artigo 321 do mesmo diploma legal (ausência dos motivos da preventiva), o magistrado deve se ater aos motivos concretos, determinantes e contidos nos autos. Supor, nesse caso, sobretudo em prejuízo do réu, não lhe é permitido!
Por tudo isso, só resta concluir o quão acertada e feliz foi a decisão da ministra Maria Thereza de Assis Moura, relatora do pedido de Habeas Corpus no Superior Tribunal de Justiça, fazendo valer, pois, a nossa Constituição Federal que está prestes a completar 23 anos, e dando-lhe efetiva força para afastar aquele pensamento de que a Carta Magna é apenas um material consultivo e sem poder de obrigar.

Ciência e Tecnologia rejeita classificação indicativa de sites

A Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática rejeitou na quarta-feira (28) o Projeto de Lei 2231/99, do ex-deputado José Carlos Elias, que obriga os responsáveis por sites provedores de informações na internet a fornecer classificação indicativa do conteúdo veiculado.
Outros quatro projetos que tramitam apensados também foram rejeitados pela comissão (PLs 4426/01, 2842/03, 1264/03 e 7439/10).
Segundo o relator, deputado Sibá Machado (PT-AC), atualmente existem sistemas operacionais de computadores que possuem mecanismo para os pais controlarem o acesso à internet.
Outro ponto citado por Machado foi a inviabilidade prática de classificação indicativa em qualquer site da internet. Considerando a natureza transnacional da rede mundial de computadores, torna-se praticamente impossível exercer controle sobre sítios hospedados no exterior, afirma.
Tramitação
O projeto tramita em caráter conclusivo e ainda será analisado pelas comissões de Seguridade Social e Família; e de Constituição e Justiça e de Cidadania.
Opinião
Quando os legisladores e palpiteiros com alguma influência irão entender que de nada adianta impor classificação indicativa em sites de internet se isso apenas atingiria àqueles cuja informação encontra-se hospedada fisicamente em território brasileiro? E, ainda assim, da mesma sorte de nada adiantaria, pois certamente inexistiria fiscalização capaz de abarcar a imensidão de conteúdo virtual.
Doutra banda, existe ferramenta capaz de conter o acesso a determinados sites e esta já é comumente utilizada pelas famílias país afora. São os chamados filtros de conteúdo, utilizado por pais, mães, responsáveis e, pasmem, patrões que desejam impedir que seus funcionários “baixem a produtividade”.
Por tudo isso, só se pode concluir que a Comissão de Ciência e Tecnologia, vislumbrando certeiramente a impossibilidade jurídica do mandamento em que subsistia o projeto de lei, houve por bem rejeitar o esboço legislatório.

sexta-feira, 30 de setembro de 2011

O destempero de alguns profissionais (segunda parte)

Ontem circulou pelos mais diversos sites da internet, inclusive aqui, a agressão de um Promotor de Justiça a um Advogado no Plenário do Tribunal do Júri. Para completar a matéria, segue o vídeo do julgamento e da agressão:
“O senhor é um bandido. Advogado do PCC.” Me surpreende vir de um velhaco litigante e operador do Direito a asneira de que, só porque o advogado atua como defensor de supostos integrantes de um grupo do crime organizado, ele é bandido.
Sujeito “ignorantão” (Dicionário Aurélio: 1. Diz-se de, ou indivíduo muito ignorante, mas pretensioso; leigaço.). Não há como negar que o caso merece toda seriedade possível na análise e punição do promotor que claramente queria desestabilizar o julgamento. Todavia, como hoje é sexta-feira e eu tô afim é de relaxar, só posso rir do ocorrido, sobretudo pela voz trêmula do indivíduo bronco que representa o Parquet quando diz “advoogaaadoo doo pêêcêêcêê...” (vídeo: 7’08”).

Artigo: Bandidos de toga

Azedaram de vez as relações entre a cúpula da magistratura brasileira e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão auxiliar do próprio Judiciário, criado para fiscalizar o cumprimento dos deveres funcionais dos juízes. A gota d água que deflagrou a crise, já latente, foram as declarações da corregedora nacional de Justiça, ministra Eliana Calmon, à Associação Paulista de Jornais. Sem meias palavras, a ministra disse que a magistratura hoje está com gravíssimos problemas de infiltração de bandidos escondidos atrás da toga . Afirmação das mais sérias que ganha um tom ainda mais contundente por ter sido proferida pela titular da Corregedoria, a quem cabe receber e processar reclamações e denúncias relativas aos magistrados e aos serviços judiciários.
 Mas não se limitou a ministra aos bandidos escondidos atrás da toga , criticando também os critérios para promoções, lamentando que a política e não o mérito é que define hoje o preenchimento das vagas nos tribunais superiores. Como era de se esperar, as afirmações criaram um mal-estar generalizado, a começar pelo presidente do Supremo Tribunal Federal e do próprio CNJ, Cezar Peluso. Em nota, o ministro repudiou o teor da entrevista que de forma generalizada ofende a idoneidade e dignidade de todos os magistrados.
Não é de hoje que se observa uma queda de braço entre o Conselho Nacional de Justiça e parte considerável dos magistrados, que através de suas associações representativas alegam que o CNJ tem extrapolado nas suas funções. O resultado dessa insatisfação é uma manifesta tendência de setores do Judiciário em limitar os poderes do Conselho, que perderia a condição de punir juízes e ficaria restrito a funções administrativas e financeiras. Caberá ao Supremo Tribunal a decisão de restringir ou não a atuação do CNJ, o que deveria ter ocorrido na última quarta-feira. Em razão do clima tenso gerado pelas palavras da ministra corregedora, a sessão acabou sendo suspensa.
Diante de uma polêmica que promete ainda muitos desdobramentos, é importante frisar o papel relevante que cumpre o CNJ na missão de zelar pela eficiência da prestação jurisdicional. Limitar sua atuação a funções meramente burocráticas é deixar de lado um poderoso instrumento de avaliação e fiscalização dos juízes, que no interesse da própria Justiça precisam desempenhar suas funções com competência, agilidade e ética. Se existem bandidos de toga, como afirmou a ministra Eliana Calmon, a obrigação é a pronta apuração das denúncias e a punição dos implicados.
As palavras fortes da corregedora do CNJ não podem simplesmente merecer reações indignadas derivadas em boa parte do corporativismo, mas servir como oportunidade a uma discussão maior em torno das dificuldades enfrentadas hoje pela Justiça brasileira. Nesse contexto, o Conselho Nacional de Justiça não deve ser encarado como um problema que precisa ser resolvido à custa da supressão de algumas de suas principais atribuições. Preocupação, aliás, que foi externada pelo presidente do Conselho Federal da OAB, Ophir Cavalcante, ao considerar ser um grave retrocesso a possibilidade de ocorrer uma redução no poder de atuação do CNJ. Para Ophir, o Conselho deu transparência ao Judiciário e as manobras para cercear suas prerrogativas têm como objetivo fazer novamente da Justiça brasileira uma caixa-preta.
Artigo "Bandidos de toga" foi publicado hoje (30) no jornal Gazeta do Povo, do Paraná

Juiz leigo deixa "juridiquês" de lado e parte para o popular em Santa Catarina

O juiz leigo Luiz Fernando Ozawa, em atuação no Juizado Especial Cível de Balneário Piçarras, mesmo em fase de conclusão de dois doutorados no exterior - ou exatamente por isso -, deixou o chamado juridiquês de lado e partiu para o popular ao encerrar audiência em que um cidadão, com apenas a 5ª série e desacompanhado de advogado, cobrava prejuízo sofrido em um acidente de trânsito.
Assim, seu João, eu te digo que o Senhor ganhou a causa, e que a partir de agora a moça que dirigia e o dono do outro carro, solidariamente, isso quer dizer, ou uma ou o outro vão ter que pagar, ou os dois, estão lhe devendo aqueles R$ 2.020 por essa sentença, que tá encerrando o processo com o que a gente chama de total procedência do pedido com a extinção do processo com julgamento de mérito, palavrão esse todo que quer dizer que acabou por aqui [...]”, sentenciou Ozawa, com a leitura da decisão favorável ao autor.
Ele explicou, ainda, que basta João “pedir a execução da sentença para poder colocar o dinheiro no bolso”. Ao sair da sala de audiências, o cidadão demonstrou contentamento com o desfecho. Doutor, tô satisfeito com a decisão, não tenho mais nada pra pedir além daquele orçamentozinho, e não quero recorrer não. Então, doutor, gostaria que o processo continuasse pra que eu possa cobrar a moça e o dono do carro.
(Autos n. 048.11.000797-0)
Fonte: JurisWay

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Pontualidade das audiências como prerrogativa advocatícia

Hoje em dia não é raro que advogados sejam submetidos à seguinte situação: embora eles compareçam com pontualidade britânica a audiências aprazadas pelo Poder Judiciário, por vezes têm que aguardar por – literalmente – horas a fio, até o início do ato processual.
Caso o advogado tenha outro compromisso, em horário bem posterior àquele marcado para a audiência, fica refém da boa vontade do juiz para adiá-la. Isso porque tal adiamento é interpretado – erroneamente, como se demonstrará – como mera liberalidade do magistrado, e não direito do advogado.
Curioso notar que nas hipóteses de atraso do advogado para comparecer à audiência, ou de sua retirada do recinto após indeferimento do pedido de adiamento do ato, ele fica sujeito a diversas sanções: nomeação de defensor dativo ad hoc, encaminhamento de representação ético-disciplinar à OAB, etc. O maior prejudicado é o próprio acusado, que tem o seu direito de defesa cerceado devido à freqüente natureza decorativa da assistência jurídica dativa no País.
Por outro flanco, longos atrasos para o início de audiências hoje se encontram tão arraigados na cultura e nas práticas forenses que são assimilados com assombrosa naturalidade, e destituídos de qualquer sanção.
O fundamento jurídico dessa nefasta conjuntura é a interpretação equivocada que vem sendo feita da prerrogativa do advogado de "retirar-se do recinto onde se encontre aguardando pregão para ato judicial, após trinta minutos do horário designado e ao qual ainda não tenha comparecido a autoridade que deva presidir a ele, mediante comunicação protocolizada em juízo” (art. 7º, XX do Estatuto da OAB).
Não obstante, é teratológica a seguinte interpretação desse dispositivo: desde que a autoridade esteja presente na sede do juízo, o advogado não pode retirar-se em quaisquer circunstâncias, inclusive de excessivo e injustificado atraso após o pregão para a sua audiência.
Isso porque é imprescindível interpretação lógico-sistemática do Estatuto da OAB – cujo principal vetor hermenêutico deve ser o cariz público e indispensável à administração da Justiça dos serviços prestados pelo advogado. Nesse sentido, o âmbito de proteção normativa da prerrogativa profissional de receber tratamento com consideração, respeito e compatibilidade com a dignidade da advocacia (art. 6º do Estatuto da OAB) a toda evidência abrange a pontualidade das audiências, dentro de parâmetros mínimos de razoabilidade.
Na perspectiva das relações sociais cotidianas, é inquestionável que qualquer atraso excessivo e injustificado para compromisso assumido denota clara falta de consideração e respeito pela dignidade do próximo.
Não há qualquer fundamento lógico ou jurídico para não se estender esse mesmo raciocínio às relações forenses travadas entre juízes e advogados.
Decerto há razões de ordem administrativa que por vezes podem até explicar atrasos nas audiências: a qualidade da administração judicial da pauta (aprazamento de várias audiências para o mesmo horário, ou de audiências com intervalo de tempo insuficiente entre elas); a cumulação de órgãos por magistrados; a dificuldade logística no transporte e apresentação de acusados presos, etc.
Entretanto, tais mazelas administrativas não são atribuíveis aos advogados nem têm qualquer primazia, em termos de importância, sobre o tempo e os demais compromissos profissionais dos advogados. Bem ao contrário, à míngua de qualquer relação de hierarquia ou subordinação entre juízes e advogados, estes não estão à disposição permanente dos eventuais atrasos daqueles, pois também têm outras audiências, causas, compromissos profissionais, etc.
É lícito concluir que a menção feita pelo art. 7º, XX do Estatuto da OAB ao não comparecimento da autoridade que deve presidir a audiência é meramente exemplificativa, pois a razão legislativa (ratio legis) dessa norma é proteger o advogado de quaisquer atrasos excessivos e injustificados. Assim, o comparecimento da autoridade, mas para cuidar de outros afazeres que não a audiência apregoada, na perspectiva dessa prerrogativa advocatícia equivale ao seu não comparecimento. É intuitivo.
Logo, a norma a ser extraída do texto do art. 7º, XX do Estatuto da OAB é a seguinte: o Advogado tem direito a retirar-se do recinto onde se encontre aguardando pregão para ato judicial, após trinta minutos do horário designado, quando não tenha a autoridade que deva presidi-lo condições de iniciá-lo por qualquer motivo, mediante comunicação protocolizada em juízo.
Ao retirar-se nessas condições, o advogado não comete infração ético-disciplinar, e sim exerce a sua prerrogativa de exigir dos magistrados tratamento com consideração, respeito e compatibilidade com a dignidade da advocacia (art. 6º do Estatuto da OAB), o qual engloba a pontualidade das audiências, dentro de parâmetros mínimos de razoabilidade. Nessas circunstâncias, é imperativo o adiamento da audiência, sob pena de nulidade processual absoluta (vulneração ao núcleo essencial da cláusula da ampla defesa).
Diogo Malan é presidente da Comissão Especial de Estudos do Direito Penal da OAB/RJ

CNJ pune juíza que despachou petição própria

O plenário do Conselho Nacional de Justiça decidiu nesta terça-feira (27/9) aplicar a pena de remoção compulsória para a juíza Heliana Maria Coutinho Hess, titular da 2ª Vara da Fazenda Pública de Campinas, de São Paulo. A juíza recorreu ao CNJ por discordar da pena de disponibilidade com vencimentos proporcionais imposta pelo Tribunal de Justiça de São Paulo que a condenou por despachar uma petição da qual  ela própria era autora. O caso tratava de um pedido de anulação de multa de trânsito. Em seu voto-vista, o conselheiro José Roberto Neves Amorim, que é desembargador do TJ-SP, a pena de remoção compulsória é proporcional ao ato cometido. “Essa pena é considerada pesada para um acontecimento grave como esse”, defendeu.
Em sua defesa, a juíza alegou que não tinha lido o nome das partes envolvidas no processo antes de iniciar o despacho e que, quando o engano foi percebido, ela repassou a responsabilidade da decisão para uma colega. Apesar de ter revisado a decisão do TJ-SP, o CNJ determinou que a juíza permaneça em disponibilidade até a definição da comarca para a qual será removida.
Para o conselheiro Marcelo Nobre, relator inicial do processo de revisão disciplinar, a juíza perdeu a credibilidade de atuar na comarca de Campinas. “É de interesse da magistrada e da magistratura que a juíza não permaneça naquela comarca, pois a sua credibilidade foi abalada”, explicou. Com informações da Assessoria de Imprensa do CNJ.
Processo de Revisão Disciplinar 0007176-45.2009.2.00.0000.

O destempero de alguns profissionais

De acordo com a ata de julgamento lavrada pela juíza Patrícia Inigo Funes e Silva, o promotor de Justiça Fernando Albuquerque Souza agrediu moralmente e fisicamente o advogado Claudio Márcio de Oliveira durante julgamento realizado pelo Tribunal do Júri, no Fórum Criminal Ministro Mário Guimarães, em São Paulo. A juíza oficiou o Ministério Público e encaminhou cópia de mídia com imagens áudio do ocorrido para que a Corregedoria do MP tome as devidas providências.
Segundo o advogado Claudio Márcio de Oliveira, durante o julgamento de seu cliente, que é acusado de homicídio doloso, o promotor o chamou de bandido sem nenhum motivo. Por entender que não havia mais condições de se continuar a audiência, o advogado pediu a dissolução do Conselho de Jurados. Foi neste momento, de acordo com o advogado, que o promotor o atacou, com vários socos, "em manifesto ato de descontrole emocional e agressão latente". A autoridade policial foi chamada para conter a investida agressiva do promotor. O caso foi registrado no 13º Distrito Policial.
O promotor diz que, na verdade, ele foi quem sofreu agressão. "Informo que durante o júri fui ofendido e agredido pelo advogado Claudio Marcio de Oliveira, tendo sofrido lesões corporais. Informo, ainda, que registrei Boletim de Ocorrência e tenho total interesse na completa apuração do lamentável fato", manifestou-se o promotor Fernando Albuquerque Souza, em nota enviada à ConJur. De acordo com as assessoria de imprensa do Ministério Público, a Corregedoria do MP já está apurando o ocorrido.
O presidente da Associação dos Advogados Criminalistas do Estado de São Paulo (Acrimesp), Ademar Gomes, disse que a associação acompanhará de perto o desenrolar desta história. Ele considera a conduta do promotor inaceitável e uma verdadeira ofensa às prerrogativas dos advogados. Ressalta que o comportamento do promotor constituiu um desrespeito à profissão e evidenciou total desrespeito aos profissionais de Direito. A Acrimesp pretende atuar judicialmente junto ao advogado Claudio Márcio de Oliveira contra o promotor. A associação deve processá-lo por agressão física, além de pedir indenização por danos morais e materiais.
O presidente da OAB-SP, Luiz Flávio D'Urso também considerou o ato inaceitável. "O tratamento de urbanidade entre todos os operadores do Direito é condição fundamental para o exercício da função que advogados, juízes e promotores exercem na Justiça. Não podemos tolerar esse tipo de comportamento. Consideramos inadmissível qualquer tipo de ofensa verbal, física ou de intimidação", ponderou D'Urso.
O presidente da OAB-SP já designou o presidente da Comissão de Direitos e Prerrogativas, Antonio Ruiz Filho, para acompanhar o inquérito e seus desdobramentos. "Era o que faltava, advogado ser agredido fisicamente no seu ambiente de trabalho. Isso não se justifica por nada. Vamos ser rigorosos na apuração desse fato", disse Ruiz, que concluiu: "O colega terá todo o nosso apoio, pois a advocacia não vai tolerar esse tipo de ocorrência."
Fonte: ConJur

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

O advogado visto pelas repartições públicas

A profissão de advogado adquiriu status constitucional. É indispensável à administração da justiça, por prestar serviços público e exercer função social. No entanto. A Advocacia sofre os desgastes decorrentes da ineficiência da Justiça. Causada pela falta de recursos, de infra-estrutura e de quadro funcional compatível com a demanda. A justiça no Brasil ainda não democratizou, distanciando ainda mais o advogado de sua missão de mitigar as desigualdades para o encontro de soluções justas.
Como declara a Constituição Federal, o advogado é indispensável à administração da Justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei. E um dos primeiros dispositivos do estatuto da Ordem dos Advogados estabelece que no seu ministério privado, o advogado presta serviço público e exerce função social. O advogado encarna a vontade do cidadão que tem o direito de acesso ao Poder Judiciário para a defesa de suas pretensões. Toda e qualquer restrição ao pleno exercício dessa atividade traduz intolerável cerceamento não apenas profissional como também social. Num Estado Democrático de Direito, a atuação do advogado é indispensável não somente no imenso quadro da administração da Justiça como também no universo dinâmico das relações sociais.
O ADVOGADO PERANTE O JUDICIARIO:
Magistrado não pode delimitar horário para atender advogado
A Carta Magna e o Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil garantem ao advogado ampla e merecida proteção no pleno exercício da sua atividade profissional, sendo-lhe assegurado o direito de “dirigir-se diretamente aos magistrados nas salas e gabinetes de trabalho, independentemente de horário previamente marcado ou outra condição, observando-se a ordem de chegada” (art. 7º, inciso VIII, da Lei n. 8.906/94).
A delimitação de horário para atendimento a advogados por magistrado com objetivo de adquirir maior produtividade no trabalho que desempenha, viola o aludido art. 7º, inciso VIII, do EOAB, porquanto o advogado é essencial à administração da justiça (art. 133 da Constituição Federal de 1988) e deve ter as suas prerrogativas respeitadas.
Ademais, o excesso de trabalho no Poder Judiciário não pode ser imputado ao advogado, de modo a prejudicar o acesso aos magistrados, impedindo, assim, o bom funcionamento da prestação jurisdicional.
“ADMINISTRATIVO – ADVOGADO – DIREITO DE ACESSO A REPARTIÇÕES PÚBLICAS – (LEI 4215 – ART. 89, VI, C)A ADVOCACIA E SERVIÇO PÚBLICO, IGUAL AOS DEMAIS, PRESTADOS PELO ESTADO. O advogado não é mero defensor de interesses privados. Tampouco, e auxiliar do juiz. Sua atividade, como ‘particular em colaboração com o estado’ e livre de qualquer vínculo de subordinação para com magistrados e agentes do ministério público. O direito de ingresso e atendimento em repartições públicas (art. 89, vi, ‘c’ da lei n. 4215?63) pode ser exercido em qualquer horário, desde que esteja presente qualquer servidor da repartição. A circunstância de se encontrar no recinto da repartição no horário de expediente ou fora dele – basta para impor ao serventuário a obrigação de atender ao advogado. A recusa de atendimento constituíra ato ilícito. Não pode o juiz vedar ou dificultar o atendimento de advogado, em horário reservado a expediente interno. Recurso provido. Segurança concedida.” (Primeira Turma, RMS n. 1.275?RJ, relator Ministro Humberto Gomes de Barros, DJ de 23.3.1992.)

“O direito de ingresso e atendimento em repartições públicas (art. 89, inciso vi, alínea c, da Lei nº 4.215/1963) pode ser exercido em qualquer horário, desde que esteja presente qualquer servidor da repartição. A circunstância de se encontrar no recinto da repartição no horário de expediente ou fora dele - basta para impor ao serventuário a obrigação de atender ao Advogado. A recusa de atendimento constituirá ato ilícito. Não pode o Juiz vedar ou dificultar o atendimento de Advogado, em horário reservado a expediente interno”(RMS nº 1.275-RJ, 1ª T., Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ de 23/3/1992). No mesmo sentido: RMS nº 21.524-SP, 1ª T., Rel. Min. Denise Arruda, DJ de 14/6/2007; RMS nº 15.706-PA, 2ª T., Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ de 7/11/2005.
Advogados , Juízes e Promotores:
Juiz tem a obrigação de receber advogados, diz decisão do CNJ:
"O magistrado é sempre obrigado a receber advogados em seu gabinete de trabalho, a qualquer momento durante o expediente forense, independentemente da urgência do assunto, e independentemente de estar em meio à elaboração de qualquer despacho, decisão ou sentença, ou mesmo em meio a uma reunião de trabalho. Essa obrigação se constitui em um dever funcional previsto na LOMAN e a sua não observância poderá implicar em responsabilidade administrativa.”

O ADVOGADO E A DELEGACIA DE POLICIA:
O advogado tem entre suas prerrogativas a de entrar em delegacias ou quaisquer repartições públicas quando age em defesa dos interesses de seu cliente. A garantia para o bom exercício da profissão foi reconhecida pela 2ª Turma Recursal dos Juizados Cíveis e Criminais do Distrito Federal. Por maioria, os juízes deram Hábeas Corpus para trancar Termo Circunstanciado instaurado contra um advogado brasiliense por suposto crime de desobediência.
PREVIDÊNCIA SOCIAL NÃO RESPEITA O ADVOGADO
É inacreditável que o INSS, autarquia federal que é, deslembre que o advogado/estagiário, possuinte de atividade socialmente relevante, tenha de permanecer em fila, ou, ainda, ver-se agraciado com fichas/senhas, quando no desempenho de sua labuta, como se o art. 7º, VI, c, da Lei nº 8.906/94, inexistisse no cenário normativo brasileiro;
É igualmente indesculpável que se obrigue o advogado , ao protocolar recurso administrativo em nome de um seu constituinte, que tenha de arrolar não só o mandato, mas, também, xérox da carteira funcional, com vistas a se provar que é um operador do Direito, sob pena de, ao que parece, desde logo, senão restar escravizado a este ditame, ser alçado à vala da desconfiança;
É de todo aconselhável que a OAB, a nível da respectiva seccional, se ocorrentes uma das situações retromencionadas, utilize o caminho do mandado de segurança coletivo para extirpar essas malévolas situações, arrimando-se no art. 54, II, da Lei nº 8.906/94 e art. 5º, LXX, b, da Carta Política. Mas até o momento não temos noticias de que a OAB tenha interferido neste órgão ( INSS) os advogados não possuem o atendimento mercidos por parte de alguns servidores.
O ADVOGADO E O BANCO DO BRASIL
Muitas filas demora no atendimento e pouco espaço. Esses são os principais problemas enfrentados pelos advogados que utilizam o Banco do Brasil o Banco concentra os mandados de pagamento de todo o Fórum e ainda recebe um grande público externo, fazendo com que só o processo de triagem demore mais de uma hora.
Sobre as soluções, todos enfatizam a necessidade de guichês prioritários para profissionais do Direito e a descentralização do envio dos mandados, que poderiam ser entregues aos advogados, distribuídos a outras agências no Centro ou ter os valores depositados diretamente em conta corrente.
"Temos que otimizar o tempo do advogado, já tão atarefado. Reconheço a boa vontade dos funcionários, mas deve-se melhorar a estrutura, aumentar a agência e criar áreas com serviços específicos para a classe. Às vezes enfrentamos filas para descobrir que o mandado ainda não chegou. Por que não usar terminais de auto-atendimento?”
Cabe ao Presidente da seccional oficiar o Presidente do Banco do Brasil e solicitar que seja colocada uma seção de atendimento para os advogados e serventuários da Justiça estes representando o Judiciário, com esta medida tenho certeza que o problema será resolvido.
ATÉ QUANDO TEREMOS QUE CONVIVER COM O PESSIMO ATENDIMENTO POR PARTES DE ALGUNS SERVIDORES PÚBLICOS QUE VÊ O ADVOGADO COMO INTRUSO NA REPARTIÇÃO. OAB DEVE COIBIR ESTES ABUSOS NAS REPARTIÇÕES PÚBLICAS.
Texto confeccionado por: Sergio Francisco Furquim. Advogado, Presidente da 56ª Subseção OAB Camanducaia- MG.