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segunda-feira, 3 de outubro de 2011

A morte de uma juíza ou a morte do Direito?

Hoje me peguei lendo um memorável texto do professor Damásio de Jesus sobre o assassinato da juíza Patrícia Acioli, que transcrevo para comentar alguns pontos:
Damásio de Jesus é advogado, Professor de Direito Penal, Presidente do Complexo Jurídico Damásio de Jesus e Diretor-Geral da Faculdade de Direito Damásio de Jesus. Recebeu o Prêmio Costa e Silva e o Colar D. Pedro I, é Doutor Honoris Causa em Direito pela Universidade de Estudos de Salerno (Itália) e autor de livros na área criminal.
Há muitos anos, causou grande sensação, em todo o mundo, um filme italiano, tão ultra-realista que chegava a tocar nas raias do surrealismo, intitulado Mundo Cão - Mondo Cane, no original. Era um espetáculo chocante, destinado a produzir nos assistentes as reações de horror mais desagradáveis. Apresentava-se, segundo foi comentado na época, como um documentário de cunho antropológico ou sociológico, exibindo cenas reais que se passavam em muitos países do mundo, mostrando como a humanidade fabrica horrores considerados normais de acordo com a cultura prevalente em determinados locais. Cenas de mutilação humana, torturas, brigas sangrentas entre animais e rituais de seitas satânicas exibidas na tela do cinema da forma mais brutal. Esse filme lançou a expressão mundo cão.

Embora me chocasse profundamente o conteúdo, julguei meu dever assistir a ele. Já exercia a função de Promotor Público, denominação da época, e lecionava Direito Penal como professor titular. Pensei que precisava conhecer o mundo real em suas mais agressivas e chocantes manifestações.

De lá para cá, vez por outra, vejo na imprensa referências ao filme ou à expressão "mundo cão", que virou moeda cunhada, utilizada por muita gente que nem dele teve conhecimento.

Pois foi a expressão "mondo cane", com todo o sabor e toda a carga emocional que ela tem no rico e sonoro idioma italiano, que me veio ao espírito quando soube da morte da juíza Patrícia Lourival Acioli, ocorrida no último dia 11 de agosto, no Rio de Janeiro. Esse é um fato que somente comento porque é meu dever pessoal fazê-lo, mas, com sinceridade, preferiria esquecê-lo, ignorá-lo, imaginar um mundo em que ele não pudesse ter ocorrido.

O homicídio foi largamente noticiado em todos os seus pormenores e é do conhecimento geral. A magistrada era, de longa data, conhecida pelo rigor com que procedia a seu labor judiciário, ignorando as frequentes ameaças que recebia, supostamente por parte de pessoas ou grupos criminosos os quais, em seu trabalho, incansavelmente perseguia. Ela chegou a ser protegida policialmente durante muito tempo, acompanhada por três policiais. Quando, porém, essa proteção foi reduzida a um único guarda-costas, ela se irritou e decidiu abrir mão do que lhe parecia insuficiente. E foi sozinha, na direção de seu automóvel, que os executores a encontraram. Com 21 tiros tiraram a vida da juíza, que contava 47 anos de idade e deixou três filhos adolescentes.

Particularidade que, para nós, profissionais do Direito e pessoas que temos o senso do simbolismo e significado das datas, chama a atenção: o crime ocorreu na noite do dia onze de agosto, precisamente o dia consagrado, no Brasil, à comemoração do Direito. Nele se comemora o aniversário da instituição dos nossos primeiros cursos jurídicos. É o Dia do Advogado. É o Dia do Direito.

Um crime, praticado com tanta brutalidade contra uma mulher, já é, de si, algo revoltante. "Em mulher não se bate nem com uma flor" -, sempre se dizia quando eu era menino. Ademais, uma juíza, ou seja, representante de um dos três Poderes do Estado, digna do maior respeito.

Quando criança, o Zinho, meu apelido de moleque sonhador, aprendeu a respeitar, de modo muito especial, não só as mulheres, mas também os juízes, pela nobreza e elevação das funções que exercem. Naquele tempo, havia na cidade de Marília, como autoridades, o juiz, o promotor, o prefeito e o padre. Jamais me passaria pela cabeça que um dia alguém viesse a matar um juiz porque ele agiu exatamente como determina a lei. Zinho, garoto que sonhava alto, jamais poderia supor que alguém viesse a matar seu semelhante exatamente porque era bom. Quando é que podia imaginar que o bom viesse a morrer assassinado pelo mal só porque era bom?

Ah, moleque Zinho, mataram a juíza Patrícia só porque era uma boa juíza!

Perdoem-me os leitores tantas reminiscências da minha infância, mas é a elas que sinto necessidade de recorrer para exprimir o imenso desconcerto em que me deixou a notícia. Só elas me permitem avaliar a imensa transformação que teve o mundo desde a década de 1940, quando meu espírito, ainda em formação, começava a analisar a realidade que me circundava, até o corrente ano de 2011.

E, ademais, no dia onze de agosto, logo nesse dia... Creio que os criminosos quiseram, na fixação da data, marcar que neste país o Direito não tem mais vez. É a violência criminosa que impera. O Estado nada pode. São instituições paralelas que exercem, de facto, o poder. Mais do que a morte de uma juíza, é a morte do próprio Direito que, acredito, quiseram assinalar os autores e mandantes do monstruoso crime. "Tudo está dominado".

Apesar de profundamente chocado, ainda tenho esperanças de que a nossa sociedade civil, embora minada por numerosos fatores de desagregação ética e moral, ainda agirá salutarmente.

Creio na força e na vitalidade do nosso Poder Judiciário. Confio nas corporações policiais civis e militares, no Ministério Público, na Imprensa, enfim, em todas as forças vivas da Nação. Aguardo uma ação, não uma reação, impondo uma urgente mudança de rumos à prevenção e repressão ao crime organizado e à criminalidade de massa no Brasil.

Essa mudança de rumos é mais do que oportuna: é necessária e indispensável. E é urgente, muito urgente.

Estou ficando velho. Cada vez fica mais distante o tempo em que não se matava juiz.

Mas o Direito não morreu. Ele não pode morrer; é imortal.

OPINIÃO
Pois bem. Minha intenção era a de escrever longo compêndio. Aliás, o termo longo compêndio é, de per se, contraditório, porquanto compêndio nada mais é do que um resumo de doutrinas; síntese. Logo, não pode existir longa síntese de alguma coisa.
Também nem tenho muito mais a acrescentar às palavras do grande jurista Damásio, a não ser, claro, forte embate à sua confiança nas corporações policiais militares. Não estou querendo dizer que a polícia militar, instituição antiga e com alguma história, não é digna da confiança do professor Damásio, ou da minha. Todavia, certamente quando Damásio escreveu o referido artigo (02/09/2011) ele mal poderia desconfiar que integrantes de alta patente da Polícia Militar estavam envolvidos diretamente (inclusive na execução) no assassinato da juíza Patrícia Acioli. Isso é de se lamentar profundamente. Uma vergonha!
Temos bandidos em todos os cantos do Brasil e, como se não fosse o suficiente, temos policiais bandidos que deturpam a finalidade policial, que atuam somente na defesa dos próprios interesses criminosos.
Sei que existem policiais que não merecem ser vistos como bandidos, pois não compartilham a sujeira, imundície, porcaria, indecência, bandalheira, tratantada... Mas, infelizmente, de se ver publicamente mais casos de nojeira policial do que de honra trabalho sério.
Até quando?!
Veja as reportagens sobre o caso veiculadas no programa Fantástico, da TV Globo:


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